A Medida Provisória pode tributar investimentos como LCI, LCA e CRI? Uma análise crítica à luz da Constituição
- Carolina Nogueira Queder
- 17 de jun.
- 3 min de leitura
Em junho de 2025, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 1.303/2025, que propõe alterações profundas na tributação dos investimentos financeiros no Brasil. Especialmente, o fim da isenção para aplicações em LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas, bem como a instituição de uma alíquota única de 17,5% relativo a Imposto de Renda sobre rendimentos financeiros.
Mas a pergunta que se impõe é: pode uma Medida Provisória instituir ou aumentar tributos sobre esses investimentos? A resposta jurídica exige uma análise cuidadosa da Constituição Federal, da Lei de Responsabilidade Fiscal e de princípios estruturantes do sistema tributário.
A legalidade tributária e o uso de Medidas Provisórias
O ponto de partida está no art. 150, I, da Constituição Federal, que consagra o princípio da legalidade tributária:
“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”
Portanto, a criação ou majoração de tributos exige norma com força de lei formal. A Medida Provisória, embora editada pelo Presidente da República, tem força de lei e, por isso, pode ser utilizada para criar ou alterar tributos, desde que respeite os limites constitucionais.
A anterioridade e a noventena: limites constitucionais
Mesmo sendo um instrumento válido, a MP deve observar dois princípios fundamentais de proteção ao contribuinte:
1. Anterioridade anual – Art. 150, III, “b” e Art. 62, §2º da CF: “Imposto só pode ser cobrado no exercício financeiro seguinte à publicação da lei que o institui ou aumenta.”
2. Noventena (anterioridade nonagesimal) – Art. 150, III, “c” da CF: “É vedado cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data da publicação da lei.”
No caso da MP 1.303/2025, os efeitos estão programados para iniciar em 1º de janeiro de 2026, o que, a princípio, respeita tanto a anualidade quanto a noventena, desde que a medida seja convertida em lei até 31/12/2025.
O que está sendo alterado?
A proposta do governo traz três pontos centrais:
Fim da isenção de IR para LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas emitidas a partir de 2026, com alíquota de 5%;
Unificação da alíquota de IR para investimentos em renda fixa e variável (ações, CDB, fundos, criptomoedas, FIIs etc.) em 17,5%;
Compensação de perdas entre operações, algo antes restrito a certos investimentos.
Em termos técnicos, o governo cumpre os requisitos formais.
Ainda que a Medida Provisória seja formalmente válida, o uso desse instrumento em matéria tributária sensível e com impacto sistêmico levanta questionamentos jurídicos e econômicos.
Princípio da segurança jurídica
O uso reiterado de Medidas Provisórias, com efeitos fiscais significativos, afeta a previsibilidade do sistema tributário e pode provocar instabilidade nos mercados. Isso fragiliza a segurança jurídica e compromete decisões de investimento baseadas em políticas públicas anteriores.
Confiança legítima
A manutenção de isenções como as de LCI, LCA e CRI sempre teve fundamento em políticas de fomento a setores estratégicos, como o crédito imobiliário e o agronegócio. A súbita revogação dessas isenções — ainda que futura — pode ser interpretada como violação à confiança legítima do contribuinte e dos agentes econômicos.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em diferentes contextos (como ADI 2238, ADI 2446), a importância do respeito à confiança legítima em situações de alteração de regimes jurídicos consolidados.
A tributação de ativos antes isentos poderá:
Reduzir o apelo de instrumentos como LCI e CRI para pequenos e médios investidores;
Desestimular a emissão desses títulos, afetando o crédito direcionado;
Causar retração de capital em setores como o imobiliário e o agronegócio, justamente os que mais movimentam a economia real.
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